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THIAGO GUEDES

Residente do Distrito de Sanga Funda, Terra de Areia
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Thiago Guedes residiu em Sanga Funda, distrito pertencente ao município de Terra de Areia, localizado na encosta do morro. De acordo com o artista, sua primeira semana de residência foi dedicada a abrir perspectivas.

Em um primeiro momento, eu fazia caminhadas de reconhecimento da paisagem e do contexto: incursões pelas áreas de mata, conversas com moradores sobre aspectos culturais e sociais, registros fotográficos e primeiros esboços. Depois de um primeiro reconhecimento, momento em que ainda tateava as possibilidades de atuação, comecei a encontrar elementos, a fotografá-los com um olhar mais atento à paisagem. Frequentemente me aproprio de uma síntese do lugar, que pode ser um objeto, um fragmento de rocha ou uma imagem para, então, projetar o trabalho em si. Essa metodologia inventada é a forma que encontrei para pensar deslocamentos, manipulação da escala geográfica e produção de espaços. — Thiago Guedes

Os cursos de água foram pontos de atenção desde o início – a começar pelo pequeno arroio que passava nos fundos da casa onde residiu. Junto a Zé Luis, morador de Sanga Funda e parceiro incansável ao longo da residência, o artista fez longas caminhadas em meio à mata e realizou a travessia do rio Cornélios, canal que liga a Lagoa dos Quadros e a Lagoa Itapeva – trecho de água determinante para a concepção do projeto. Interessou ao artista não somente as paisagens das margens, avistadas por quem trafega pelo rio, fotografadas e desenhadas por ele durante a travessia, mas também a própria imagem do canal percebida via foto de satélite. Através dela, o rio se mostrava como uma linha fina e estreita que cruzava o município de Terra de Areia e ligava duas imensas massas de água. As lagoas dos Quadros e Itapeva eram conectadas pelo rio Cornélios, como dois vasos comunicantes.

Na subida do rio, comecei a perceber o comportamento do reflexo da margem na água. A linha do horizonte era a margem espelhada do rio, e a água, uma continuidade do céu. Essa condição me remeteu a uma ideia de vinco na paisagem, como se o plano tivesse dobrado sobre ele mesmo e riscado ou gravado na imagem uma linha. — Thiago Guedes

A sensação visual era reforçada pela longa faixa de junco (nome genérico dado a plantas com um talo fibroso, comprido, onde na parte superior se encontra uma folha acicular) que marcava os limites entre terra e água. Nessa vegetação formada ao longo da costa, observavam-se linhas espessas, quase gráficas, ainda mais intensas se avistadas contra a luz. Ao serem duplicadas pelo reflexo na água, pareciam indicar uma quebra – um vinco na paisagem.

O vinco, em geral, designa um sulco que permanece em alguma superfície qualquer, seja ela a pele, o solo ou a casca de uma árvore. No léxico da produção gráfica e editorial, o vinco tem o sentido de um tipo específico de acabamento: a ranhura que possibilita que um papel de alta gramatura não rompa ao ser dobrado. 

A sobreposição entre os conceitos de vinco e junco, anotada por Thiago, foi trazida à obra. Em um tecido translucido, esticado em uma moldura de madeira, montada por ele e Zé Luis, foram silkadas duas letras sobrepostas – uma referente à palavra junco, outra à palavra vinco. Fixaram, então, os cinco quadros ordenadamente em um barco de pesca e o fizeram navegar no curso d’água. O embaralhamento das letras, percebido pela transparência do tecido, seria momentaneamente desfeito junto ao reflexo delas sobre a água. 

Do encontro com uma síntese local, fruto de sua disposição metodológica de buscá-la como impulso para ação poética, Thiago cria um sistema de representação do próprio entorno. Traduziu em signo aquilo que o olho via, edificando o registro de seu campo visual em meio à paisagem de Terra de Areia. 

Além do mais, a concisão, o jogo de letras e a forte aproximação com o campo gráfico ali presentes traçam relações com o universo da poesia concreta. No entanto, fora do âmbito bidimensional e já em escala humana, percebe-se no processo de realização da obra a existência de um trabalho braçal, um esforço físico requerido para estruturá-la. Nesse sentido, é interessante pensar sobre o aspecto gráfico do trabalho, entrelaçado com uma dinâmica material e corporal junto ao contexto rural de Sanga Funda. Definidas também a partir da limitação dos recursos disponíveis, as soluções encontradas por Thiago nos sugerem um redimensionamento imagético, um diálogo entre planaridade e volume, a reiteração de um panorama em perspectiva. Era como se ele tivesse a intenção de assinalar graficamente a própria superfície. Como se buscasse marcar um vinco e alcançar uma “manipulação da escala geográfica”, a partir da dobra do horizonte. Uma paisagem – efêmera – sobre a própria paisagem. 

_Texto de Luciano Nascimento

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