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CAROLINA CORDEIRO

Residente do Distrito-sede de Maquiné
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Carolina Cordeiro chegou a Maquiné entusiasmada para conhecer o artesanato da região. A arte de entrelaçar fibras vegetais numa trama tão bela quanto resistente – visível em cestos, balaios, esteiras e outros objetos ainda presentes no meio rural – logo ocupou o centro de seu projeto de residência. 

Com apoio de Isabel dos Santos, articuladora da equipe Casco, contatou uma rede local de artesãs para um período de aprendizado e convivência com as mulheres. A falta de resposta das artesãs deixou-a inquieta: teria o grupo se dispersado? O artesanato teria entrado em hibernação? 

Enquanto aguardava, Carolina foi introduzida ao pequeno cosmos humano de Maquiné por Rossano Mansan, ativo parceiro da aldeia Mbyá-Guarani que, como os demais articuladores do Casco, compartilhou com alegria recursos e contatos locais. Valéria Bastos, anfitriã de Carolina e coordenadora da Associação Nascente Maquiné (ANAMA), partilhou seu conhecimento sobre a proximidade entre o mundo rural e a natureza monitorada por unidades de conservação.

Na região, Maquiné é considerada um polo de agricultura sustentável e ecoturismo e, também, de uma diversidade de práticas espiritualistas e filosóficas que convergem para lá. Nos rostos locais, leem-se ascendências açoriana, africana, italiana, alemã, polonesa e indígena. Por essa última etnia, responde o povo Mbyá-Guarani, que recentemente retomou suas terras no município.

A concepção da residência Casco tem na conversa um dispositivo estruturante em todas as etapas. Mesmo em tempos de pandemia, a conversação não apenas fluiu na experiência desenvolvida por Carolina, mas teve um papel central na ativação de alianças que provavelmente deixarão sua marca na trajetória da artista.

Em sua busca pela trama artesanal, Carolina conheceu o cacique André Benites, liderança Mbyá-Guarani, e foi apresentada a Roma, agricultora que a introduziu à rotina incessável de trabalho das mulheres rurais. Através destes dois parceiros, a artista finalmente testemunharia a trama se materializar pelo gesto indígena e, também, pelas “mãos mais fortes que já vi” – como ela descreveu ao observar Roma em ação. 

Para ingressar no esférico mundo dos Mbyá-Guarani, Carolina dispendeu longas tardes em companhia de André – turnos inteiros de conversas, em grande parte, preenchidos pelo silêncio. Ao lado de Roma, percorreu a terra em que a agricultora trabalha sozinha e de onde tira o sustento da família. Entre os canteiros e roçados de Roma, onde pesam pencas fartas de banana, ou no terreno da aldeia Mbyá-Guarani, onde adultos e crianças partilham o cuidado de todos entre todos, a residência de Carolina transcorria como um intervalo apenas introdutório aos mundos dos parceiros. Como conhecer a ancestralidade transmitida por André em uma quinzena? Ou dar conta, entre manhãs e tardes, de uma vida como a de Roma, que ocupa plenamente todas as horas do dia? 

Finalmente, Carolina viu a fibra ser tramada com naturalidade e agilidade pelas mãos dos amigos. Em um momento, a trama se materializava, em outro, estava em sua mala, rumo a São Paulo.

Antes de viajar, a artista recebeu proteção e cura em uma defumação na aldeia Guarani e instalou seu próprio defumador no jardim de Valéria Bastos. Na despedida, recebeu um último presente: as mulheres silenciosas, contatadas na chegada, motivaram-se ao recadastramento como artesãs ao saber que Carolina viera de tão longe para aprender com o conhecimento de suas mãos.

No início, Carolina tinha a trama no centro de seu projeto de residência. Seu trabalho, contudo, se fez em todos os locais e momentos em que esteve com seus parceiros – e mesmo quando não conseguiu estar com eles. 

Talvez a beleza da trama Guarani repouse na falta de centro de seu desenho. Talvez a utopia do Casco repouse no desejo de recolocar a arte na trama acêntrica da vida. 

E que todas as partes sigam cuidando umas das outras. 

 

_Texto de Maria Helena Bernardes

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