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PABLO PANIAGUA

Residente do Distrito-sede de Itati
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Pablo Paniagua trouxe para sua imersão em Itati uma pequena marcenaria portátil e outros insumos. Trouxe instrumentos ao invés de intenções prévias e demarcadas em relação ao que investigaria durante o mês de fevereiro de 2021. Em suas conversas e deambulações pelo local, o que mais lhe chamou a atenção foi o rio Três Forquilhas, cujo vale perpassa os municípios vizinhos de Itati e Três Forquilhas. De presença incontornável na vida e na paisagem locais, esse rio, por ser sinuoso e esconder-se atrás de vegetações fechadas ou terrenos privados, impunha cortes na visão do artista, que buscava observá-lo como um todo, que tentava anotar seu curso durante suas caminhadas. Ao longo da residência Pablo se propôs, então, a realizar uma síntese não representativa do referido rio. Queria aludir ao seu curso, mas sem compromisso com sua “realidade” cartográfica. 

A ideia desse trabalho envolveu diretamente a escuta e o contato com a presença movente do rio Três Forquilhas que, com seus afluentes, córregos, arroios, grotas, cachoeiras, cascatas, sangas e olhos d’água, vai compondo a paisagem do vale e as comunidades de Itati e Três Forquilhas. Foi a partir do entendimento de que o rio se compõe de um volume de fluxos associados de componentes geográficos, históricos, sociais, culturais, humanos e inumanos que passei a montar uma topografia sensorial do rio, misturando experiências in loco com estudos de mapas da região, registros históricos e narrativas surgidas em cada uma das conversas que tive nesses dois municípios. — Pablo Paniagua

Utilizando argila e terras locais, recolhidas na própria margem do rio, o resultado foi uma escultura horizontal, achatada, formada por 53 módulos que, juntos, se estendem por mais de 5 metros. A dimensão era contingente, definida pelo tempo da residência. Talvez, pudesse ser ainda expandida, como se crescesse com o passar do tempo. Quem a observa, pode intuir um convite implícito a se contribuir com sua perpetuação, a reconhecer algo do rio ainda não percebido, a construir junto com o artista uma peça a mais. E que esse exercício, no limite, faça a obra se estender continuamente. 

Para Richard Serra, artista e escultor, um grande evento da arte no século passado foi a retirada do pedestal como apoio para a escultura. No caso da obra de Pablo, sua escultura não somente dispensa um pedestal, como se espalha, feito água, pelo chão. A economia formal, o sistema modular, o formato chapado que ocupa o solo propondo que nos desloquemos ao longo da obra para percebê-la de diferentes ângulos, todas essas são características que poderiam remeter a experiências históricas de artistas minimalistas. Por outro lado, o trabalho de Pablo é também oposto a esses mesmos paradigmas. A feitura manual e a própria argila enquanto material se distanciariam radicalmente de qualquer lógica associada ao modo de produção industrial, sugerindo, inclusive, um resgate às técnicas ancestrais. 

Sobre a queima das peças de argila em uma fogueira, recorro à queima ancestral para tratar desse processo feito com componentes materiais e procedimentos técnicos que remetem aos primórdios da cerâmica. A ancestralidade presente nesse tipo de queima está ligada a todos os grupos humanos. Cada um a seu tempo praticou ou ainda pratica esse fazer cerâmico profundamente ligado à observação, ao manuseio e ao contato direto com forças e formas elementares da natureza. — Pablo Paniagua

Ainda, destaco o par fluxo e permanência, como uma oposição em tensão no trabalho de Pablo Paniagua. Ao lidar com um rio, a noção de fluxo e devir está instaurada. Não se banha duas vezes no mesmo rio, nem se coleta duas vezes a mesma argila. No entanto, mesmo a partir de uma síntese formal, seccionada em inúmeras pequenas peças dessemelhantes, a escultura remete não somente à compreensão do devir heraclitiano, mas também à ontologia iniciada por Parmênides. A famosa máxima do filósofo “O que é, é e o que não é não é” pode ser explicada por meio de uma alusão ao rio, afinal suas águas mudam, suas margens se alteram, mas o que confere sua existência é, também, sua permanência e continuidade. Continuidade que resiste e atravessa as vicissitudes. Perpassa acasos e incidentes. Perpassa até o fogo, solidificando-se em matéria perene. 

Em uma entrevista à rádio comunitária Clube do Povo, sediada em Três Forquilhas, o artista foi indagado sobre o motivo pelo qual o rio vinha continuamente diminuindo seu volume de água. As anotações de Pablo sobre o rio não buscaram alcançar qualquer diagnóstico. Ao contrário. Eram um gesto para a apuração do sensível, um guia de contato com o entorno, um convite ao zelo àquilo que nos rodeia. Pablo não respondeu à pergunta na rádio, mas a deixou como legado aos moradores de Itati.

_ Texto de Luciano Nascimento

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