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FABIANA FALEIROS

Residente do Distrito de Barra do Ouro, Maquiné
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Fabiana Faleiros fez residência na Barra do Ouro, distrito pertencente a Maquiné. O local atrai um fluxo de visitantes interessados no cenário natural e é destino frequente dos chamados neorrurais – aqueles que migram dos centros urbanos em busca da vida menos acelerada do campo. A localidade também reúne atores sociais comprometidos com o desenvolvimento rural e comunidades que buscam práticas de conexão espiritual com a terra. 

Em deambulações pelo local, Fabiana notou a presença intensa dos capitéis, oratórios de santas de tradição italiana, construídos na beira das estradas ou entre as casas e a via pública. A artista lembrou-se de um sonho de sete anos atrás. Nele, uma santa nutria a si mesma, amamentando-se no próprio seio. A imagem de autocura, figurada na psique, a seguiu ao longo do tempo como uma espécie de ícone de poder interior. 

No decorrer da residência, Faleiros intensificou sua parceria com João Batista Neto, articulador da Barra do Ouro. Conhecedor do mundo das plantas e de seus dons, João mantém um centro cultural e terapêutico – uma casa antiga com infinitos cômodos, toda tomada por ramos de ervas e plantas secando entre cordas e varais.

Acabei me conectando com as pessoas que frequentavam o Curate Namata, espaço onde, antes da pandemia, aconteciam várias práticas ligadas à dança, a terapias holísticas e a curas diversas. Lá está também a farmacinha – móvel de madeira para secagem de ervas – que João herdou das freiras do distrito. — Fabiana Faleiros

Em uma de suas incursões à mata, João chamou a atenção de Faleiros para uma semente muito presente na região, a lágrima de Nossa Senhora. 

A paisagem das beiras de rios da Barra do Ouro é repleta de capiá, ou lágrima de Nossa Senhora, ou conta de lágrimas, ou capim rosário, dentre outras denominações. O nome científico é Coix lacryma-jobi e pertence à família das plantas Poaceae. As sementes são utilizadas para fazer rosários, guias de santo, artesanatos indígenas e chocalhos. O chá da planta é diurético, antiasmático e também é usado para tratar corrimentos vaginais, diarreia e problemas respiratórios, propriedades da planta que descobri quando decidi trabalhar com ela. O banho com a planta também ajuda a abrir a clarividência. — Fabiana Faleiros

Material e simbolicamente, a semente parecia orbitar pelos campos de interesse da artista. Entre o âmbito natural e espiritual, seu uso se associava a objetos de devoção, ligava-se à cura e ao cuidado. Além do mais, curiosamente congregava no nome referência a santidades e seus prantos. Mais do que uma clara sujeição à dor ou ao ressentimento, Faleiros via o choro como elemento constituinte do deleite, de momentos de gozo e comoção. Para ela, ele também acompanhava processos de transformação.

A partir do encontro com o elemento da paisagem local, usou a semente como matriz e criou uma série de trabalhos intitulada Esculturas de Lágrimas. 

Em pesquisas sobre a semente, descobriu que ela era ainda mais nutritiva que a aveia ou o trigo. Assim, moeu as sementes e delas fez pão. Moldou a massa em formato de seios, os embrulhou como presente e distribuiu entre os moradores locais. De algum modo, a imagem onírica da santa que se autonutria insurgia por trás da ação.  

O pão serviu como o meio de contato com as pessoas. Antes de entregá-lo, conversei com algumas vizinhas para saber se conheciam as sementes. Elas não sabiam que poderia se fazer pão com as lágrimas de Nossa Senhora e nem sabiam do uso das folhas para chá medicinal. O uso mais conhecido era para a criação de rosários. E assim, foram contanto um pouco do trabalho uma para outra. — Fabiana Faleiros

Na manipulação com as sementes, construiu objetos de adorno – para ativação interna, vigor ou para evitar qualquer desbalanceamento de humores. Moldou uma escultura em espiral, uma espécie de trepante, e a acomodou no varal de cura do Curate Namata. Faleiros também realizou uma ação performática em que incorporava o pão e o objeto junto ao seu corpo. Os registros foram realizados no lugar de colheita das lágrimas de Nossa Senhora. 

E da experiência imersiva, saíram também poemas – oficio que já acompanha a trajetória da artista há mais tempo. O nome do livro surgiu antes do seu término. Batizado pela artista de Reencadernação, termo pelo qual João se referia à reencarnação, a publicação aponta para a vivência da artista na Barra do Ouro, bem como para as potências do entorno e àquelas carregadas por cada um.

 

_Texto de Luciano Nascimento

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