TERESA SIEWERDT
Residente do Distrito-sede de Três Forquilhas
A intersecção entre a esfera humana e a natural já era assunto de interesse de Teresa Siewerdt. A fim de anotar experiências da vida no campo e os elos que se dão entre a terra e aqueles que a cultivam, escolheu trabalhar no município de Três Forquilhas, localidade com cerca de 2.900 habitantes, onde a atividade agrícola tem forte presença na cultura e economia local.
Em sua estadia, percorreu propriedades rurais, ativando um processo de escuta junto aos agricultores que conhecia no caminho. Visitou o pomar de cítricos da Elizane, o antigo bananal da Ju e do Edson, a plantação de milho crioulo de Rosena e a roça de seu irmão, Noé – de onde tirava o aipim, o arroz, a batata doce, a abóbora, o pepino e tudo mais que ali pudesse render. Também visitou os bananais de Maria Inês e sua filha Daniela, e a lavoura de Allan e Suelli, rodeada de palmitos-juçara erguidos na mesma terra onde um dia se colheu cana para o açúcar e a cachaça. Conheceu ainda o sítio de Michel, agricultor e psicólogo, onde a estratégia do rizoma era base para o plantio, e transitou entre outros produtores da região.
Para registrar aqueles modos de vida, fez uso da cromatografia de Pfiffer. A técnica seria uma forma de se aproximar daquelas terras e de extrair, da própria matéria viva, imagens que contassem sua história.
A técnica da cromatografia de Pfiffer é um tipo de leitura da qualidade da vida do solo feita através da interpretação dos desenhos, das formas e das cores que os componentes minerais, orgânicos, eletromagnéticos e energéticos (em interação) formam em um cromatograma. [...] Visitei plantações e formas de cultivo diversas e distintas entre si. Em cada uma delas, conversava com os agricultores sobre a ciência da cromatografia, da sua filosofia de compartilhamento, autonomia e de respeito pela diversidade e pelo cuidado da vida e do solo. Nessas visitas, conversava também sobre o uso de adubos químicos e de agrotóxicos, das dificuldades e alegrias de se trabalhar no campo e do meu interesse em pensar a saúde da terra com a saúde dos corpos e das práticas sustentáveis. — Teresa Siewerdt
Nas visitas às lavouras, reunia relatos e extraía uma amostragem do solo, em local definido pelos agricultores – escolha que se guiava tanto pela fertilidade da terra como por afetos quaisquer. Já no laboratório (improvisado na casa onde estava acomodada), equacionava a umidade do clima, o tempo de secagem, a peneiragem da terra, o nitrato de prata, o hidróxido de sódio... Aos poucos, a artista via surgir circunferências de tons terrosos cobertas de dados de lá.
A partir da experiência, montou o vídeo Respiração Política dos Viventes. Nele, as imagens reveladas alternavam-se uma após a outra, movimentando-se ao som de uma respiração. Aludindo ao caráter vivo e imanente da terra, o vídeo trouxe a respiração como condição compartilhada, em uma aproximação entre matéria orgânica e aquele que a semeia.
Diante da pandemia e da impossibilidade de exibição do trabalho, Teresa organizou uma publicação para distribuição no local. Intitulada Substrato, apresentou as imagens e os relatos colhidos, mas sem identificações (não queria que a correlação entre propriedade e proprietário, junto a diagnósticos que assinalariam potências, pudesse ser instrumentalizada a fim de especulação). A artista também incorporou um manual ilustrado de cromatografia do solo à publicação, explicitando a técnica a quem quisesse testá-la. E doou, antes de retornar, seu kit de cromatografia à cooperativa de produtores locais.
Vale frisar que há, no trabalho como um todo, o uso de um saber científico. Difundido por sua viabilidade, o método de análise cromatográfico vem ganhando espaço junto aos movimentos de autonomia do pequeno agricultor e do biopoder campesino. Mas além de sua função instrumental, há algo de estético ali presente. Algo que escapa a uma racionalidade e que se desvia da abstração de dados. Uma visualidade que tanto fascina como ensina a vida na terra.
E nesse limiar entre o domínio da cultura e o da natureza, nesse ponto de intersecção, o trabalho de Teresa nos põe frente à noção de paisagem. Historicamente, o termo nos aproxima àquilo que o olho apreende: à percepção subjetiva que temos do enquadro do mundo a nossa frente. Mas o que reside como base? O que o constitui suas características? O solo, mesmo pouco anotado na história da arte, estaria ali implícito. Ao permear por um conjunto de diferentes sistemas de cultivo, próprios a cada agricultor, vividos e mexidos no cotidiano de cada um, Teresa operou na representação de um complexo de distintas paisagens – interferidas pelas próprias mãos daqueles que todo dia a contempla.
_Texto de Lola Fabres